quinta-feira, 24 de março de 2011

DEREK


    Derek era um cão muito lindo. Pelagem clara em tom pastel, quase branca, de uma cor uniforme por todo o corpo. Sua cauda peluda balançava alegremente saudando toda e qualquer pessoa. Um cão grande, imponente, com alma de criança. Os olhinhos infantis de tom castanho brincavam no centro da carinha meiga. Não latia, só fazia festa. Gostava de saudar as pessoas com seu longo abraço canino, sujando-lhes as roupas. As orelhas eretas e triangulares, levemente arredondadas traziam manchas escuras nas pontas, talvez pelo excesso de sol. Uma grossa coleira de couro o prendia através de uma corrente para que não derrubasse ou incomodasse as pessoas com suas demonstrações calorosas de afeto. Parecia ter algum ancestral de alguma raça nobre, com seus ares de lobo branco.
 
    O solícito grande cão olhava sonhadoramente pelas grades do pátio gramado e observava os passantes na estradinha de terra recoberta de pedrinhas. Ah! Uma senhora de cabelos prateados com sua sacolinha de compras... Deve morar numa casinha aconchegante, com uma varanda onde ela coloca uma cadeira de balanço na qual se senta e vai puxando um fio colorido e divertido ao som do tique taque de duas agulhas compridas que não param de dar nós infindáveis, não se sabe ao certo para quê. Mas, parece tão interessante. Aos pés dela Derek se deitaria, aninhando-se confortavelmente sobre um grande tapete de crochê feito de barbante, em tom cru. Derek e o tapete se confundiriam por serem da mesma cor e a boa senhora sorriria de prazer ao vê-lo tão belamente emoldurado.
 
    Mas, eis que vem mais alguém pelo caminho. Ah! Uma mãe com duas crianças pequenas pulando e cantando, brigando e chorando, tudo ao mesmo tempo... Devem morar na próxima curva da estrada. Ao meio dia as crianças, um menino e uma menina, brincam com a bola sob as sombras das árvores. Da cozinha vem um cheiro agradável, onde a mãe prepara uma deliciosa refeição. As crianças resolvem brincar de amarelinha e pulam perfazendo dezenas de vezes o caminho entre céu e inferno. Derek correria para pegar a bola, pularia ao redor da amarelinha e, quando o pai atravessasse o pequeno portão seria recebido com festas pelos três brincantes. Derek receberia um agrado e um osso que ele guardaria com todo o cuidado, enterrando em alguma parte do quintal para ser degustado em momento mais oportuno.
 
    De repente, vem atravessando a estrada um homem alegre e brincalhão. Ele se dirige ao cão após entrar na área em que este se encontra. O cão fora colocado ali para guardar o local, mas certamente sua vocação não era para cão de guarda. Recentemente alguns rapazes bêbados haviam invadido a chácara de madrugada, e Derek nem deu alarme. Pelo contrário, recebeu-os com muita alegria abanando o rabo o máximo que podia. Afinal, adorava companhia.
 
    Derek ficou tão feliz em receber aquele homem que nem percebeu que este mudara o seu nome, e isso já fazia um bom tempo. Assim que o homem aproximou-se do cão, foi recebido com muita efusividade e, revelando em uma palavra tudo o que ele pensava a respeito do nobre cão, chamou-o de "Bobalhão".
 
Roselena Landenberger

domingo, 13 de março de 2011

EXPANSÃO


     Não deixe que seu coração fique assim tão apertado, tão pequeno. Permita que ele se alargue, que se expanda. Que dentro dele possam caber também as mazelas das pessoas, o lado obscuro e sombrio de quem você ama. Deixe que o amor o invada, que flua em você como sangue, que é bombeado e direcionado a todas as partes do seu corpo. E que nesse fluir possam ser varridas palavras e atitudes que por um breve período de tempo você permitiu que o ferissem.

    Ignore as ofensas. Seja sábio como Salomão. Às vezes alguém lhe diz uma palavra ruim. Não deixe que isso envenene todo o vinho doce e puro de tudo o que essa pessoa representa para você. É apenas uma pequena gota amarga que rapidamente se dilui em todo o conteúdo precioso que representa um ser amado, sem preço, por quem você daria sua própria vida, se necessário fosse. Se a flecha que fere for desferida por alguém que lhe é um mero conhecido, ou até um desconhecido, pense no sacrifício que tal pessoa custou para Deus, no preço infinito que ele pagou por esta vida.

    Jogue fora. Ignore os cochichos nas concavidades sutis da sua alma, venham de onde vierem. Não dê ouvidos a quem não merece nem um milésimo de segundo da sua atenção. Permita-se ser curado. Ouça o som da Voz suprema que permeia o universo, que tudo sustenta, que permite que vínculos de amor inundem nossa vida, que usa pessoas e circunstâncias como santo remédio, muitas vezes amargo, sorvido com boa dose de humilhação. A exaltação virá a seu tempo, sem pular estágios.

    Pague o preço do perdão. Vale a pena. Aceite as pessoas como elas são. Não compare, cada ser é único. Custa caro deixar-se expandir, mas o prejuízo de encolher-se na própria miséria é eterno.

Roselena Landenberger 

 

domingo, 6 de março de 2011

SALMO 131

Há um bom tempo
Tenho vivido uma vida comum.
Nada de extraordinário,
Nenhuma súbita inspiração.
Como no Salmo cento e trinta e um
Sou criança amamentada
Tranquila, dependente, amada.
Acalanto em cada canto,
Esperança acalentada.


Roselena Landenberger