segunda-feira, 15 de agosto de 2011

PESO E LEVEZA




A música cessa –
Irrompe o silêncio.
Estanca-se o som –
Expande-se a alma.

Limiar da dor,
Pranto contido.
Palavras escoam,
Sentido perdido.

Dor latejante
Pulsar insistente
Soluço profundo
Gemido da alma.

Vigília da noite,
Olhar inquietante
Penumbra calada,
Silêncio e deserto.


Exaustão.


Rendição.


Deus cuida de nós.
Não lutamos sós.


Roselena Landenberger

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

CLARA DE LUA


Na sala ampla de amplas vidraças, por sobre o piso sonoro de madeira pisa suave a sapatilha branca, cintila em espiral ao clarão da lua. Brancas são as fitas que enlaçam o tornozelo, branca é a luz que alumia tímida a sala escura. Na penumbra move-se uma figura delicada e arfante em solilóquio pungente; o tule branco da saia quase transparente rodopiando em círculos constantes. Gira mecânico o vinil sulcado, machucado pela agulha que ao ferir arranca a sonoridade profunda das cordas de um piano levemente golpeadas pelos martelos, dos martelos empurrados pelas teclas, das teclas pressionadas pelos dedos, mas é como se os próprios dedos dedilhassem as cordas.

Soam os primeiros acordes surpreendentemente simples. Guardam em si o mistério do desconhecido, prestes a acontecer, qual porta entreaberta que a curiosidade desperta por pouca ou nenhuma pista conter a respeito do interior de um cômodo.
 
Trêmulas impressões arpejadas espelham-se na dança incontida das notas bailarinas que como ninfas enevoadas brotam das fendas do vinil, umas rindo, outras chorando. As riscas no chão tecem linhas e espaços, tentando em vão atrair as ninfas para a inércia de uma pauta e por elas são ignoradas. A moça que baila assim tão atemporal deixa-se levar, chega a ser por vezes alçada por este inusitado corpo de baile e entrega-se, flutuando no ar.

O bailado ganha intensidade. As sapatilhas cravam sulcos no chão, desenham bordados e invisíveis quadros. A rede de prata crivada de pérolas brancas tenta encerrar os cabelos de âmbar; alguns delicados fios escapam para ensaiar um vôo entrelaçados aos atraentes raios do clarão da lua.

A cada novo colorido um novo passo de entrega; o envolvimento vai tomando tal proporção que a música e a moça tornam-se partes de uma única composição. Gira o corpo delgado envolto em um corpete branco acetinado, o busto emoldurado por graciosas lantejoulas prateadas. Músculos, tendões, ossos rodopiam; as vísceras contorcidas, o cérebro em redemoinho. A pele branca reveste a turbulência de calma e doce aparência.

Soam os últimos acordes na tentativa de fechar a porta que antes estivera entreaberta e que mansamente fora empurrada por uma brisa suave, revelando o interior do aposento. Porém o perfume que exalou de dentro já está impregnado na sala ampla de amplas vidraças. As ninfas finalmente cedem ao apelo silencioso e abandonam-se à morte, sugadas pelos sulcos das tábuas horizontais. A moça rende-se ao cansaço, estira-se exausta no piso surdo, aconchega-se e adormece.

O horizonte aos poucos vai enrubescendo, a lua se recolhe sonolenta e pálida. Gira em falso a agulha no centro da vitrola, esquecida e rouca, bailarina de si mesma, repetindo sempre o mesmo rodopio.

Ainda escondidas nas obscuras frestas do piso ressoam as notas do Claire de Lune. Ainda de dentro do olhar denso sorri enigmática a face etérea de Claude Debussy. Acima de si. Pleno de si. Submerso inteiramente em si.

Roselena Landenberger