domingo, 5 de setembro de 2010

FUGA EM DIREÇÃO DO SER



     "Não sei mais se te conheço". Este comentário atravessou-me numa manhã serena. É verdade. Tuas mãos já não mais imprimem moldes nas raízes do meu ser. Escapei. Voei longe no horizonte da vida. Tomei outras formas, diversas das que quiseste esculpir em mim, indelevelmente. Foi tudo tão fugaz que fugi das garras que me consumiam numa agonia profunda de ser quem não sei ser. Escorreguei feito sabão no limbo da ribanceira e mergulhei fundo na minha solidão. Encontrei amigos, lavei muitos pés, carreguei bacias e cingi-me de toalhas. Atordoei minha visão no emaranhado de movimentos das mãos que tentam ocultar o que o símbolo não é capaz de expressar. Viajei nos caminhos tortuosos dos mistérios da alma humana num mundo de silêncio, dor e exclusão. Não sou mais a mesma. Renasci das cinzas e do pó. Do olhar acusador, que queima o broto tenro e verde que teima em despontar do solo, não tenho mais o antigo temor. Abandonei-me ao sabor do vento. Atravessei fronteiras, conheci culturas, vislumbrei terras distantes.
 
    Ainda te amo, mas não me submeto mais aos teus caprichos. Te amo, mas não posso mais repousar meus pés no chão gelado da gaiola de ouro pendurada no lustre da tua sala. Vou amar-te sempre, ainda que com lágrimas a turvarem-me a visão. Vou amar-te sempre, mesmo que somente apareça na fresta da tua porta para saudar-te de longe. Vou amar-te sempre, mesmo que nunca saibas quem realmente sou. Vou filtrar a tua voz e deixar que adentrem os portais da minha alma somente as canções que embalaram meu sono transmitindo segurança e paz quando me sentia tão frágil e indefesa. E ao som deste teu acalanto vou amar-te eterna e profundamente pelos séculos sem fim.

Roselena Landenberger

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