Deus,
o Senhor acabou comigo. E eu que achava que era muita coisa, que tinha tanta
coisa que os outros não tinham. E não me refiro às coisas palpáveis, mas às
impalpáveis, dessas que o dinheiro não compra nem remedia, como talento,
sensibilidade, criatividade, inteligência.
Hoje
o Senhor chegou mais perto, deixou-se descobrir e foi só aí que eu percebi.
Percebi que não sou nada, que não tenho nada. Dei-me conta de que quem me faz
ser e quem pode doar alguma coisa a quem quer que seja nesta história toda é só
o Senhor, ninguém mais.
Foi
nesse exato momento que o Senhor acabou comigo. Chegando de manso, falando
baixinho, sussurrando no vento mesmo. Sentindo a brisa na face e atentando para
a voz suave que fazia eco no âmago do meu ser, acordei para mim mesma. Acordei
para o mundo. Acordei para Deus. O Senhor acabou comigo para poder começar tudo
de novo. Agora entendi. Não posso evitar a dor de ter de lhe entregar tudo que
penso ser meu. Quando acho que já entreguei tudo, que não há mais nada comigo,
o Senhor olha bem dentro dos meus olhos, como que perguntando: “Tem certeza? Você tem
certeza de que não está retendo nada ou tentando esconder alguma coisa de mim? Logo eu,
que sei tudo, – e quando eu digo tudo, é tudo mesmo – inclusive, que você não
se deu conta de que ainda estão faltando alguns itens?”
“É
mesmo, Senhor. Tem também mais isso... e mais aquilo. Toma. É tudo teu.”
“Tudo,
de verdade? E amanhã? E depois de amanhã?”
“Está
bem, o Senhor venceu. Amanhã entrego tudo de novo. Depois de amanhã também. E
assim sucessivamente.”
“Está
bem, filha. Quero que continue assim. Se você fizer a sua parte, não imagina o
que eu sou capaz de fazer.”
“Sim,
Senhor. Não imagino mesmo...”
©2013 Roselena Landenberger