domingo, 9 de junho de 2013

A PAREDE DA SALA


        
     Havia naquela parede uma linha delineada tão fina, quase imperceptível. Ignorei-a por um longo tempo, até que ela começou a desenhar-se com maior nitidez. Tentei remediar a situação com uma camada de massa corrida, assim, passada às pressas só para disfarçar. Pouco tempo depois a massa branca foi desfolhando e caiu feito outono no piso frio. A fenda crescera assustadoramente e sorria em tom de zombaria e despeito. Arranjei um pouco de cimento. Deu mais trabalho dessa vez, mas apesar do aspecto ondulado e áspero e da pintura mal acabada, serviu para encobrir a fina ironia da insistente rachadura. Porém, passado mais um tempo o cimento veio a abrir-se feito fruta madura demais, que se espatifa no chão. Consegui algumas tábuas, pregos e martelo para fincar de uma vez por todas na parede e torná-la uma única peça, como sempre fora. Após toda a violência e pancadaria do martelo esmurrando os pregos e estes rasgando a madeira que acabava por dar um aspecto cada vez mais repulsivo à tão prezada arquitetura da simples parede e sentindo as mãos ardendo pela falta de prática, achei que com uma camada caprichada de tinta e mais alguns detalhes para disfarçar a feiura do negócio, por fim estaria tudo de volta à tão esperada paz. Havia planejado comprar algumas flores e folhagens artificiais para enfeitar as tábuas cuidadosamente pintadas e dar um aspecto artístico àquela bendita parede. Fui dormir exausta torcendo para amanhecer logo o dia para continuar minha grande obra. 


No meio da noite, com a lua já bem ajeitada no céu, pensei ter ouvido um estrondo na sala. Em meio à exaustão, o ruído misturou-se aos meus sonhos ou quem sabe, pesadelos. Lembro-me de ter remado a noite toda contra uma forte correnteza, quando a baleia de Jonas surgiu não sei de onde e abriu sua boca enorme para tentar fazer com que todos os meus esforços escorressem pelo ralo, literalmente. Pela manhã bem cedo, o sol ainda bocejando e espreguiçando-se nas montanhas, desci de mansinho pelas escadas para dar uma espiada e ver se estava tudo como eu havia planejado. Mal havia alcançado o degrau que dava visibilidade ao que eu tanto temia, senti o coração martelando e as mãos escorrendo tinta como pincel sendo lavado. Sim, aconteceu o que eu tentava a todo custo evitar. Uma imensa ruptura. Mas por detrás da grande ruptura havia para surpresa minha, um pomar, um jardim ou ambos. Árvores estenderam seus galhos e suas folhas alcançaram o teto. Flores depositaram-se sobre os móveis sem necessidade de vasos. Frutos eram lustres e lustres eram luzes naturais, pequeninas estrelas com vida própria. O gramado derramou-se pelo sofá e bordou o tapete. Ao centro uma cascata sobre a mesa, um chafariz surpreendente. Muitos sons enchiam o ambiente. A canção dos pássaros, o choro das águas, o riso da brisa. Pisei naquele solo sagrado e caí de joelhos. Obrigada, Deus, por mais uma vez não levar em conta os meus desatinos. E segui respirando gratidão.

Outro dia, observei uma pequena fenda em outro cantinho da casa. Quando ela se tornar perceptível o suficiente, o que você acha que eu devo fazer?

©2013 Roselena Landenberger

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