domingo, 14 de novembro de 2010

ARTUR ALBERTO

 
      Um dia, numa de nossas reuniões, ele nos disse que iria embora. Desatei num choro incontrolável, ali, na frente de todos. Ele olhou para mim, enternecido, e disse: "Não sabia que você me amava tanto". Eu também não sabia.

     Era um homem duro, taciturno, de grande erudição, extremamente inteligente e perspicaz. Poucas palavras, olhar profundo. Sempre que podia, eu fugia dele. Quando numa de suas muitas visitas pastorais, vinha até nossa casa, ficava a olhar detidamente bem na nossa cara sem dizer palavra. Parecia que podia ficar horas só nos observando, perscrutando com seu olhar clínico.
 
    Durante anos ele estendeu a mão para minha filha ainda pequena, sem que ela lhe desse a mínima. Mas ele era um expert na arte de esperar. Certa vez, para puxar conversa, ele perguntou-lhe o nome. Ela, com cerca de quatro ou cinco anos, escondeu-se atrás da poltrona da sala em que estavam e, esticando o braço para cima do encosto, escreveu letra por letra do seu nome em alfabeto manual, como num teatrinho de marionetes. Eu não estava presente para ver a expressão do rosto dele. Somente cerca de quatro anos mais tarde é que minha filha finalmente retribuiu o cumprimento, estendendo-lhe a mão de volta, para meu espanto.
 
    Por causa do meu envolvimento nos bastidores da comunidade ele acabou por convidar-me para fazer parte de sua equipe ministerial, participando das reuniões semanais. Relutei. Desfiei algumas desculpas. Mas ele não era homem de aceitar desculpas. Trabalhava às claras, e só aceitava a verdade, nada além da verdade. Convidou-me novamente e outra vez até que, para não ficar chato, cedi.
 
    Ele era muito exigente com sua equipe. Às vezes eu me chocava com sua forma direta de dizer o que tinha que ser dito. Cravava as palavras como punhais certeiros em direção ao alvo. E que pontaria! Dizia tanto com tão pouco. A sala em que nos reuníamos, o gabinete dele, foi se tornando um lugar de profundo aprendizado. Fotografei-a sob vários ângulos e arquivei-a numa pasta de memórias, de boas memórias. Colhi o aroma que impregnava a sala num frasco, para tê-lo sempre à mão. Cheiro de biblioteca. Vinha da sala ao lado, sua biblioteca pessoal. Cada detalhe da sala rústica ficou gravado nas minhas lembranças. Os quadros, o arquivo antigo, a escrivaninha, as cadeiras estofadas já desgastadas pelo uso, tudo muito simples. Suas orações ainda ecoam em minha mente, e seu jeito profundo de nos encarar.
 
    Levo pela vida afora as marcas da personalidade intrigante e instigante que foi a dele. Bendito seja Deus que me forçou um tantinho essa aproximação, para mim inicialmente tão indesejada. Como um pai que dá um empurrãozinho no filho tímido, a fim de que ele não perca oportunidades valiosas de crescimento, assim Deus me empurrou delicadamente na direção deste homem inesquecível. Lembro-me das palavras de A. W. Tozer que diz em algum lugar que os homens de Deus nem sempre aparentam ser agradáveis, porém, atrás de uma fachada não tão atraente e de palavras muitas vezes duras podemos encontrar uma riqueza de valor incalculável de vivências, crescimento e sabedoria. Tozer tinha razão. Aquele homem não foi só meu pastor e mentor. Ele foi mais que isso. Ele foi meu pai.

Roselena Landenberger

3 comentários:

  1. Nossa, lindas palavras, lindo texto, de emocionar e deixar saudades!!!! Obrigada!!! bjs...

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  2. Obrigada por tanta emoção e tão lindas recordações.Essa marca de personalidade também ficou registrada em mim.
    Sua forma de expressão é fruto do grande amor por seu pastor.
    Um grande abraço, Noemi

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  3. Sabia que o Pr. Artur foi meu Pastor desde a minha adolescencia? Eu nao o achava "durao" - era soh o jeito dele. Acho que ele via alguma coisa em mim que eu mesma nao via, pois me colocava em muitos treinamentos, classes intensivas de doutrina, aconselhamento, evangelismo e me dava muitas responsabilidades... Agora eu sei.
    Que saudades do meu Pastor... Se nao fosse por ele eu nao estaria neste ministerio.
    Nesse momento, bem perto do dia do "Thanksgiving", data tao significativa aqui nos EUA, quero dizer: OBRIGADA PASTOR ARTUR, OBRIGADA DE CORACAO!

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