domingo, 6 de fevereiro de 2011

O SALMO E O DILEMA


    Foi um choque. Uma decepção que rasgou o coração. Isto aconteceu já faz algum tempo. Foi quando "a ficha caiu" e descobri que não somos "especiais". Não somos como objetos raros de altíssimo valor trancados com o mais sofisticado esquema de segurança dentro de uma vitrine de joalheria ou à exposição em algum museu famoso.
 
    Voltei a ler o Salmo 91, aquele que tantos usam como amuleto, deixando a Bíblia aberta, bem à vista de todos como se fora uma advertência: "Cuidado! Perigo! Você pode ser um dos mil que cairão ao meu lado, ou quem sabe, um dos dez mil que irão quebrar a cara no chão bem à minha direita, porque eu sou especial... Sou intocável!"
 
    Nessas idas e vindas ao Salmo 91, os conflitos iam e vinham igualmente, sem solução. Guardei no coração e esperei. Afinal, sempre ouvi dizer que Deus nos protege, Deus guarda seus filhos. Foram tantas as histórias que me foram contadas desde a infância, como a dos ladrões que entraram na casa de uma senhora "muito crente", e simplesmente não conseguiram achar a porta do quarto em que ela se encontrava, mesmo a porta estando bem à frente de seus próprios narizes.
 
    Fui tomada por um sentimento de abandono, de orfandade e desamparo, de decepção com Deus. Por que orar? De que adianta? E os meus filhos? O que poderá acontecer com eles? Estão eles assim tão vulneráveis, tão desprotegidos? As coisas foram perdendo o sentido, e eu sofria calada. À medida que o quebra-cabeça ia se embaralhando, as peças que antes pareciam se encaixar perfeitamente, quando olhadas com maior atenção apresentavam falhas e incompatibilidades. Um vazio doloroso me obrigava a dar meia-volta e começar tudo de novo, da estaca zero. Tive que abrir mão de conceitos antigos e enraizados. Não seria a primeira vez que eu teria de fazê-lo, mas é sempre um processo muito sofrido. É um passo a mais a caminho da cura, porém tem o seu preço.
 
    Novamente me coloquei diante do Salmo 91, desta vez com um anseio mais profundo: "Fala, Senhor". Foi então que algumas palavras destacaram-se do texto e começaram a chamar minha atenção, como num luminoso insistente. Abrigo, fortaleza, laço do caçador, veneno mortal, escudo, flecha, peste, praga, tenda... E por sua vez, estas palavras evocaram em minha mente imagens de antigas histórias bíblicas. Imagens da escravidão no Egito, das dez pragas, da celebração da Páscoa, do êxodo, da perseguição dos egípcios, da peregrinação no deserto, do povo morando em tendas e enfrentando a morte a cada minuto. Certamente o escritor do Salmo vivenciou estes fatos de maneira muito próxima, pois faziam parte da sua história e tradição e foram contados inúmeras vezes, passando de pais para filhos. Há até a possibilidade de este Salmo ter sido escrito pelo próprio Moisés.
 
    Folheei a minha Bíblia e fui parar em Filipenses. Ali Paulo diz: "Aprendi a adaptar-me a toda e qualquer circunstância... Tudo posso naquele que me fortalece." Há uma tradução que diz: "Com a força que Cristo me dá, posso enfrentar qualquer situação." (Fp 4.13 BLH)
 
    Finalmente compreendi os fatos. Foi um aprendizado precioso, que me trouxe grande alívio e paz. Somos filhos de Deus, mas não somos prediletos, mimados, super protegidos, pois precisamos crescer. Toda criança precisa aprender a conviver com a dor em certa medida para que possa tornar-se um adulto saudável. A dor faz parte da vida. Deus não nos quer imaturos e dependentes. Hoje sei que estamos expostos a todo o tipo de perigo diariamente, mas na hora do sofrimento Deus nunca nos abandonará. Confesso que não era assim que eu queria que as coisas fossem, mas isto provém de um sentimento antigo infantil e egoísta de querer ter privilégios, de esfregar na cara dos outros algo do tipo: "Eu sou filha de Deus, você não é... Estou sob proteção, mas você, quem sabe o que poderá lhe acontecer..." Isso é mesquinho e não combina com Jesus. Cristianismo não é isso.
 
Roselena Landenberger

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