Desde que nossas pupilas tornaram-se áridas qual solo seco e rachadiço, nosso coração foi murchando e perdendo a força. O sangue passa automaticamente por nossas veias retorcidas contorcendo-se custosamente para tentar achar um caminho dentro do labirinto da alma envolta nas sombras e no luto cinzento. O sofrimento do mundo já não nos comove mais. Que nos importa se crianças forem impedidas de ver a luz? Que temos nós contigo, menina? Que diferença fará se teu filho nascer ou se perecer ainda no teu jovem ventre? Valerá a pena colocar em risco nossa segurança para salvar uma vida que seja? Talvez suspiremos tentando aliviar a consciência dormente: um delinquente a menos por estas paragens. Jogar um raio de luz na escuridão poderá nos custar um preço que não estamos dispostos a pagar. Melhor manter os olhos secos e a alma estanque. Sem dor, sem remorsos, sem sofrimento. Melhor para todos.
A menina dos nossos olhos é o nosso próprio umbigo. A omissão é o passaporte mais seguro para a tão desejada paz de espírito. O que eu quero é sossego. A ética da vista grossa é fácil e o seu caminho agradável e atraente.
Por que iríamos arriscar nosso emprego, nossa garganta em defesa dos valores do Reino de Deus? Vejam o que aconteceu com Dietrich Bonhoeffer. Fez o que fez e simplesmente perdeu tudo. Preso durante um tempo e enforcado às portas do final da segunda guerra, porque se dispôs a agir diligentemente para tentar impedir que a loucura de Hitler chegasse ao ponto em que chegou. Tudo o que ele avistava da janela de sua cela eram pequenos insetos e pássaros – quando tinha sorte. Foi esse cenário que lhe trouxe pequenas alegrias enquanto aguardava, aguardava e aguardava a tão sonhada utopia que não pôde experimentar.
Não, não vale a pena. Vamos continuar de olhos fechados. Deixemos a miséria e a dor tomarem conta daqueles com quem nos deparamos. Não vamos interferir nas suas decisões. Deixemos que optem pela morte e destruição. Não vamos nem sequer insinuar alternativas ou caminhos de vida. Não será bom para o nosso currículo.
E quando nossa intelectualidade, retórica, argumentos irrefutáveis e postura ética tiverem nos distanciado milhares de milhas dos faróis sinalizadores do Reino, só nos restarão o desespero e o horror. Seguiremos lamentando-nos da nossa própria miserabilidade, completamente perdidos, nossos olhos sem brilho fitando o espelho e perguntando-nos o que foi que aconteceu conosco.
Mergulhados em nosso próprio cinismo, andando em círculos, olhar desvairado, loucos, insanos, nossa única saída, se Deus assim o permitir, estará ainda cravada numa frase antiga de um manuscrito ultrapassado, cheio de poeira e corroído de traças: "Lembra-te de onde caíste, e arrepende-te...".
Roselena Landenberger