Há tempos eu não caminhava assim, de manhã bem cedo, entre árvores e pássaros. Havia planejado o meu dia, que finalmente seria mais tranquilo. Ao chegar em casa minha filha recebeu-me com um sorriso aberto. Ela tinha uma surpresa para mim. Uma surpresa que modificaria todos os meus planos para aquele dia calmo. Filhos... Não são eles que enchem a nossa vida de lágrimas e risos, idas e vindas, chegadas e partidas? Não são eles que embaralham todas as peças do nosso quebra-cabeça cuidadosamente encaixado, quebram a nossa rotina certinha e planejada, desestruturam tudo e todos, fazendo-nos voltar os olhos cada vez mais de dentro para fora, como uma flor que desabrocha e pouco depois se curva murcha e descorada, mas só que em sentido inverso? Ah! Filhos... Viver sem nunca tê-los tido é como viver em duas dimensões apenas. E não me refiro apenas aos filhos biológicos, mas também aos filhos da alma. Cuidar de outros é algo custoso que requer de nós sacrifício e desprendimento e por isso mesmo traz recompensas imensuráveis. Pois os filhos, sejam eles biológicos ou filhos do coração, alargam nossa visão de mundo e nos ensinam uma dimensão da vida que só pode ser conhecida por quem se dispõe a pagar o preço. Não tive como recusar. Era uma tarefa urgente, ninguém mais poderia fazê-la. Aceitei contrariada a princípio, com um peso no coração, o qual tentava inutilmente ocultar.
Foi um dia repleto de alfinetes coloridos, fita métrica, tesoura, tecido, linha e agulha. Medir, cortar, zig-zag, a agulha sobe e desce perfurando o tecido vezes sem conta enquanto o ponteiro do relógio desenha círculos e mais círculos – ao todo dez e meio. Na medida em que a geometria monótona vai se delineando rapidamente, na ampulheta da alma o rancor vai escoando lentamente. A areia densa e escura move-se com dificuldade através da passagem estreita e ali ela se processa de forma quase que imperceptível tornando-se branca, leve, fina e adquirindo certa dose de brilho.
Quando os dois ponteiros se cumprimentaram apontando o céu, encontrava-me exausta, porém realizada. Nós havíamos conseguido. Com a ajuda dos que me são mais queridos a tarefa foi terminada e a recompensa maior foi o sorriso daquela perturbadora e adorável mocinha que me desafiou a sair da minha confortável situação para viver o inusitado transformador.
Roselena Landenberger
Nenhum comentário:
Postar um comentário