domingo, 17 de outubro de 2010

ORAÇÕES E ANOTAÇÕES

    Quando me percebi mesquinha e interesseira, parei de orar. Afinal minha motivação para a tal vida de oração sempre fora fútil e egoísta. Anos de oração mecânica e vãs repetições gentílicas congelaram meu relacionamento com Deus na infância da minha vida e da minha caminhada com ele. Tudo o que eu sabia orar consistia em pedir "se for da tua vontade abre ou fecha tais e tais portas", e coisas do gênero. A coisa toda foi ficando tão automática que se transformou num ritual morto e sem sentido. Orações decoradas e repetidas a esmo em horários preestabelecidos. Era uma fórmula fácil de ser aplicada em qualquer situação. Até que um dia eu precisei realmente de socorro. Foi quando ousei colocar os pés para fora de minha confortável redoma religiosa, envolvendo-me no serviço a outras pessoas que descobri-me perfeitamente incapaz e despreparada para atender suas necessidades. Aí, comecei a orar, no desespero mesmo. Sem importar-se com minhas verdadeiras motivações, Deus foi adentrando mais e mais na minha vida. Pois ele é a Misericórdia em Pessoa.
 
    Ao mesmo tempo em que Deus graciosamente tocava nas profundezas da minha alma revelando-me coisas que eu não sabia a meu respeito, meu status religioso foi subindo. As pessoas passaram a me considerar uma "mulher de oração". Adquiri um nome e um título eclesiástico. Comecei a gostar da situação. Exercia um ministério de luzes e palco e isso facilitava as coisas. O status e a admiração de outros sempre me pareceram tão atraentes, que a ideia foi tomando corpo em minha mente e em meu coração. A ideia de que eu era melhor do que a "plebe".
 
    Naquela época notei que se orasse com certa entonação de voz e interpretasse meu papel direitinho, as pessoas acabariam subindo mais um ponto no seu conceito a meu respeito. Então usei este recurso também. Funciona que é uma maravilha...
 
    O lado negro dos fariseus subiu-me à cabeça e o resultado foi desastroso. Se bem que, Deus, apesar de tudo, continuou trabalhando para que eu pudesse aos poucos perceber quem eu realmente era. Não foi uma "visão beatífica", foi uma visão "horrorífica", muito difícil de ser engolida, mas que deixou marcas profundas. Se, por um lado eu me sentia como a pior das pecadoras, por outro, continuava achando-me melhor do que os outros cristãos por ter tal consciência. Paradoxal. Mas, quando percebi minhas reais intenções foi que parei de orar.
 
    Pouco tempo depois, fui confrontada novamente, desta vez em outra área. Durante os ajuntamentos da minha comunidade havia adquirido o hábito de anotar as mensagens como se fossem aulas. Comecei a colecionar cadernos de anotações e pretendia juntar muitos outros, quando percebi que isto também fazia parte de um jogo, mais um teatro que eu representava muito bem. Não que todos os que gostam de anotar mensagens nas celebrações coletivas se encaixem no mesmo esquema. Mas, para mim ficou muito claro que aquele velho hábito de debruçar-me sobre um caderno anotando diligentemente cada ideia ou o máximo possível de palavras já não mais me servia como algo saudável. Havia se tornado um hábito pernicioso, um vício.
 
    Foi quando participei de um estudo realizado na mesma comunidade. Ao término da reunião o líder solicitou que alguém encerrasse orando voluntariamente. Uma pessoa apresentou-se para orar. Ela era uma das minhas. Anotava tudinho, ou quase. Durante o tempo que passamos juntos naquele dia havíamos conversado muitas coisas a respeito do Reino de Deus. A respeitável pessoa, ao orar encerrando a reunião que ela havia (como eu) anotado com tanta dedicação, contradisse a maioria das coisas que havíamos acabado de ouvir e anotar com toda veemência. Lembro-me bem de um apelo feito antes da citada oração em prol de uma arrecadação de doações que seriam vendidas, cujo lucro seria revertido em favor de várias ações sociais apoiadas pela comunidade. O líder reforçou que deveríamos doar as coisas que ainda gostaríamos de usar, que tinham valor para nós, que não eram consideradas como refugo. Deveríamos abrir mão destas coisas e trazê-las para que abençoassem outras pessoas. Pois bem, dentre as várias coisas que a citada pessoa pediu em oração, além das contradições a vários itens do estudo, também pediu a Deus que nós pudéssemos trazer daquilo que estava sobrando em nossos lares para ajudar os necessitados.
 
    Depois dessa, parei de anotar as mensagens. Talvez ainda volte a fazê-lo, não sei. Mas por enquanto o impacto dessa cena ainda perdura no meu coração e não vejo sentido para que eu retome o velho hábito. Tempo para tudo, diz o Eclesiastes. Tempo para anotar no papel, tempo para gravar no coração. De nada me adiantarão folhas repletas de frases e palavras chave, e dentro de mim, um coração em branco. Ou, pior, um coração incoerente, contradizente.
 
    Quanto à oração, mudei o enfoque. Quero orar com a correta motivação. Quero orar porque quero experimentar Deus. Foi o que acabei de aprender através de uma mensagem durante a celebração em minha comunidade.
 
    E nem precisei anotar.
 
Roselena Landenberger

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