domingo, 26 de dezembro de 2010

O ANO E O SONHO

Estrada da Graciosa, Paraná
foto: Raquel Landenberger 

      Mais um Natal se passou. A vida segue voando. Cada ano é um marco, uma etapa, um capítulo de dias contados. Dias que, na ampulheta do tempo, vão caindo um a um. Nunca sabemos quanto nos resta na parte de cima da ampulheta. Só alcançamos o hoje e o ontem, que vai se juntando aos anteontens, e assim o tempo escoa deixando marcas na gente. Fatos passados ficam cada vez mais distantes na poeira do caminho. Alguns momentos são claros, mas são poucos, em vista dos que se tornam nublados e obscurecidos, para trás da linha do horizonte. E assim corre o fio da vida. Povoado de lembranças e cheio de esperança. A linha do horizonte engole o tempo ao mesmo tempo em que mostra vislumbres do brilho do sol em cores variadas tingindo o céu de beleza, expectativas e sonhos, muitos sonhos...

      Se a gente parar de sonhar a vida encolhe, envelhece precocemente, morre antes do tempo. O sonho é um menino levado e sorridente que teima em fazer traquinagens na cabeça de quem sonha, que faz cócegas no coração, que nos cutuca e empurra, tirando-nos da inércia e encorajando-nos montanha acima. Mas, se o menino se nega a crescer e continua a brincadeira indefinidamente, definha. Não amadurece, não dá fruto, não dá em nada. Ser criança eternamente é ser doente, ser gerado sem, contudo, vir à luz. Uma gestação sem fim é um estado angustiante. Prolongadas dores de parto sem dar partida a coisa alguma.

      Mas se permitirmos que o menino cresça, à medida que vai se desenvolvendo, abrem-se novos caminhos, novas possibilidades. Sonhos antes nunca sonhados. Mas, para tanto se requer uma boa dose de esforço e dedicação. E é aí que muitos de nós tropeçamos. Nenhum jardim florescerá sem que haja empenho diário e contínuo por parte de quem se propõe a cuidar dele. Em tempos de uma teologia preguiçosa e acomodada, onde decretamos bênçãos em cima de bênçãos, acabamos por achar que o gênio da lâmpada maravilhosa nos concederá todos os nossos desejos assim, de mão beijada. É só pedir, ou melhor, mandar. Triste engano! Sem trabalho árduo e persistente não haverá realização alguma. Não somos senhores, somos servos.

      Quando Jesus foi acusado de quebrar uma norma antiga ao trabalhar no sábado, respondeu aos seus acusadores: “Meu Pai trabalha até hoje, e eu também”. Jesus, aquele por meio do qual foram criadas todas as coisas, não ficou esperando em muda contemplação até que as coisas caíssem do céu. Não ficou sonhando com o Reino de Deus. Nem decretou coisa alguma. Ele simplesmente fez o que tinha que ser feito. Arregaçou as mangas e colocou-se a caminho. Não tinha onde reclinar sua cabeça.

      Sabemos que “Deus trabalha no turno da noite”, e que ele providencia o nosso sustento enquanto dormimos, como diz o Salmo 127. Mas não podemos usar isto como pretexto para reclinar a cabeça sobre os nossos sonhos e deixar que permaneçam sonhos pela eternidade adentro. É hora de trabalhar. A nossa parte nem Deus vai fazer.

Roselena Landenberger

domingo, 19 de dezembro de 2010

VISITAÇÃO


     Neste Natal o menino Jesus veio me visitar.

    Desci as escadas e lá estava ele na minha sala. Seu riso infantil encheu o ambiente de canção e tornou o meu coração menos árido e rabugento. Seu olhar inocente me desmontou e tive de abrir mão de todas as minhas defesas. Suas mãos balançando no ar com seus movimentos desconexos de simplicidade e desapego fizeram-me sentir quão tola sou ao buscar a aprovação e o louvor através do mérito. De repente, diante da minha muda contemplação, toda sem jeito, sem saber o que fazer, ele fez beicinho e começou a chorar bem alto. Fiquei aflita, perdi a prática com crianças pequenas. Faz tanto tempo que tive um bebê entre os braços que já havia esquecido como se faz esse tipo de coisa... ”Meu Deus, o que é que eu faço?”

     Tomei-o nos braços e ao sentir o pulsar do meu coração ele foi se acalmando. Subi mansamente os degraus da escada e levei-o para o meu quarto. Coloquei-o num lugar mais protegido e quente. Troquei-lhe as fraldas, alimentei-o e ele dormiu com um sorriso nos lábios. Ao sair, deixei a porta entreaberta, no caso de ele vir a chorar novamente.

     Os dias foram se passando e ele gorjeava, chorava, ria, chorava de novo, sujava as fraldas, pedia leite, carinho, colo, atenção, mordiscava os próprios pés, cantarolava, balbuciava. Foram dias calmos, amenos. Nem notei o tempo passar. Nas minhas tarefas habituais quando as coisas não davam certo, parava, respirava fundo e começava outra vez, sem me irritar. Uma estranha e rara longanimidade tomou conta de mim e eu não me reconhecia mais. Uma paz suave e terna me invadiu, sem que eu me desse conta.

     Até que, certa noite, antes de me recolher, fui procurá-lo para checar se estava tudo bem. Porém, ele havia desaparecido tão misteriosamente como aparecera. Procurei por todos os cantos, mas sem esperança de encontrá-lo. Desci lentamente os mesmos degraus e sentei-me um tanto atordoada no sofá onde eu o encontrara dias atrás. As luzes da árvore piscavam monotonamente num colorido quase que melancólico. Apoiei a cabeça entre as mãos e, depois de algum tempo em meditação, caí em mim.

     Ele sempre estivera comigo.

Roselena Landenberger

domingo, 12 de dezembro de 2010

BENDIÇÕES HEREDITÁRIAS

   É comum pegar-me dizendo algo que não combina. Quando caio em mim, percebo o quanto ainda tenho do verniz religioso. Ruínas que precisam desaparecer para dar lugar ao jardim. Velhos templos pagãos, ídolos em decomposição.
 
    Nossos filhos podem ter acesso a esta ampla libertação. Um privilégio, um presente. Já não compartimentam suas vidas porque conseguem perceber Deus de forma bem mais abrangente.
 
    Gestos sutis, olhares furtivos, comentários infelizes, deslizes da "não graça", conforme tão bem definiu Philip Yancey. Coisas assim podem passar completamente despercebidas para nós, mas não para nossos filhos. Seus radares vorazes captam qualquer movimento em falso e, pronto! Somos pegos em nossas próprias contradições...
 
    Resta-nos ter a humildade necessária para reconhecer nossos vergonhosos erros e tentar raspar mais uma dolorosa parte daquilo que ainda resta da tão infame religiosidade. Como assegurou C. S. Lewis, quando tomamos o rumo errado, o caminho de volta é o caminho mais curto.
 
Roselena Landenberger

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

CANTILENAS E BAILADOS

    
    Já não temo mais as cantilenas monótonas do coração onde a brisa imprime sempre o mesmo sopro e a cadência é lúgubre e insistente. Eis que o sol já despontou no horizonte da alma tingindo o céu interior de cores e matizes impregnados de vida.
 
    As quimeras de tempos passados desfizeram-se em bolhas etéreas de sabão e no jardim da vida as sementes germinaram no solo fofo, regado pelas lágrimas desoladas da contemplação de uma imagem retorcida e real de um ego assustador que sorria desgrenhada e descaradamente, refletido no abismo.
 
    Com mãos de ternura o barro vai sendo moldado. Por mais ternas e amorosas que sejam estas mãos, é mister que empunhem ferramentas que rasgam de alto a baixo, dilacerando em dor e tormento.
 
    O fio sombrio da obscuridade, puxado do turbilhão das profundezas, ao perpassar pelo tear do Mestre irradia ao toque de suas mãos habilidosas. Somos ambos tecelões da alma e bailamos entrelaçados, rodopiando na linha do tempo, rumo à eternidade.
 
Roselena Landenberger