domingo, 9 de janeiro de 2011

VIAGEM DE UM DIA

foto: Raquel Landenberger


     Fitou o horizonte incerto e inacabado e sentiu o coração murchar. A estrada longa e árida rumo ao infinito sumia na linha que separa terra e céu. Suspirou profundamente sentindo que nunca chegaria, que por mais que tentasse, por mais que o tempo se transformasse em décadas, séculos e milênios, nunca atingiria o seu objetivo. Ajoelhou-se na poeira da estrada, com as lágrimas tingindo-lhe as faces, desenhando trilhas no deserto de sua alma. Quanto tempo havia ficado ali, parado, contemplando os contornos horizontais tão inatingíveis? A vida se arrastando na monotonia da paisagem sempre igual, a motivação minguando como plantação castigada pelo sol escaldante.

     Olhou para si mesmo. Suas vestes rotas e sem cor, seu estado deplorável, seus pés cansados e machucados, suas mãos ressecadas em súplica, elevadas aos céus. Não conseguia pronunciar palavra. Não sabia mais orar. Seus pensamentos rodavam em turbilhão e vez por outra formulavam uma frase entrecortada. Não tinha mais forças, nunca chegaria, não conseguiria mais por si mesmo, tudo estava tão distante. Seu Mestre caminhara à frente por léguas infinitas e ele nunca mais conseguiria alcançá-lo. Quedara-se ali solitário, vítima das distrações da vida, da rotina, do trabalho, dos afazeres e sentia que sua situação era irreversível.

      Tudo começou quando não tinha mais tempo para sentar-se na varanda à tardinha com o Mestre e colocar em suas mãos todo o peso que sua alma havia acumulado durante o dia para sair leve e livre, pronto para uma noite de descanso profundo. Pela manhã os tantos e-mails que tinha para responder, as mensagens para checar e enviar no twitter, os sites para pesquisar e tudo o mais que era preciso fazer antes de adentrar seus compromissos diários impediam-no de separar um tempo para sentar-se à mesa com o Mestre e receber dele o alimento que mata a fome da alma e que o sustentaria pelo restante do dia. Tarde da noite sempre havia algo interessante para ver ou fazer e em seguida o sono pesava-lhe nas pálpebras, e se o Mestre o convidasse para uma conversa mais profunda à meia voz no ambiente aconchegante da sala enquanto todos os demais estivessem dormindo, ele desculpava-se por estar tão cansado, dirigia-se pesadamente para o quarto, caía na cama e de pronto já engrenava no sono. Desculpe, Mestre, uma outra hora.

      Conforme o tempo foi passando as conversas com o Mestre foram rareando até que cessaram por completo. O rumo de sua vida foi se apagando. A fumaça encobriu o céu, a neblina descoloriu a estrada. Embrenhou-se sozinho pela vida, tateando atalhos e pouco a pouco se sentiu morrendo por dentro. Até que ele acordou do seu torpor e como o filho perdido do evangelho de Lucas, sentiu o desejo de voltar. Foi nesse ponto da história que o encontramos. Desfigurado, ferido, velho e cansado. Voltemos ao início e vamos vê-lo de joelhos, suplicante, desesperançado e trôpego. Quanto tempo levaria para alcançar o Mestre? Quantos anos, décadas, séculos? Tentaria pelo resto da vida, mas nunca chegaria. A eternidade era para ele inatingível tanto quanto o horizonte que sumia na distância. A viagem parecia-lhe tão longa e custosa que ele não tinha coragem para dar sequer o primeiro passo.

     Abaixou os braços, encolheu os ombros, soltou o peso da cabeça deixando-a pender em total desalento. Abandonou o corpo sobre si mesmo e entregou os pontos. Nesse momento sentiu um toque suave e alentador em seu ombro e levantou a face em direção ao interlocutor. O Mestre! Filho, você sabe quanto tempo leva para me alcançar e para voltarmos a ter a comunhão que tínhamos antes? Silêncio. Apenas um dia, filho. Um dia de cada vez. Em seguida o Mestre estendeu-lhe a mão para ajudá-lo a levantar-se e seguiram lado a lado caminhando até o por do sol.

Roselena Landenberger

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