domingo, 29 de agosto de 2010

FOLGUEDOS FORA DO TEMPO


 
    Tenho na parede da cozinha um relógio peculiar. Em formato de um cadeado dourado ele possui como pêndulo uma enorme chave prateada. Quando eu me esqueço dele, a chave ganha vida e como uma criança travessa começa a girar em torno de si mesma... Aos poucos a trava do cadeado se solta e a portinhola redonda de vidro abre-se sorrateiramente ao som de um rangido discreto. Vão saindo como pássaros recém libertos da gaiola os números em grande alvoroço. Em seguida o ponteiro vermelho dos segundos salta como se houvera sido encurvado por uma força externa e lançado para longe, seguido pelos dois ponteiros pretos em ordem de tamanho, cada um por sua vez.
 
    Começa a festa. Os números brincam de ciranda, cantando alegre e ritmadamente suspensos no ar. Os ponteiros divertem-se num esconde-esconde e a chave dança brincalhona até sair saltando em malucas cambalhotas. Onde antes os números jaziam inertes no seu pano de fundo monótono e sem graça projetam-se imagens coloridas de lugares nunca vistos numa tela circular pirotécnica, com suas cores e luzes piscantes.

    Para nós que vivemos do lado de cá, o lampejo da eternidade acontece dentro do tempo e aos poucos caio de para-quedas num lugar bem conhecido. Neste exato momento cessam as danças e os folguedos. Automaticamente todos os moradores recolhem-se aos seus respectivos aposentos dentro do velho relógio de parede, pois percebem a minha aproximação como alguém que está preso no cadeado dourado do tempo.

    É hora de cumprir mais um compromisso.
   

Roselena Landenberger


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