Tenho na parede da cozinha um relógio peculiar. Em formato de um cadeado dourado ele possui como pêndulo uma enorme chave prateada. Quando eu me esqueço dele, a chave ganha vida e como uma criança travessa começa a girar em torno de si mesma... Aos poucos a trava do cadeado se solta e a portinhola redonda de vidro abre-se sorrateiramente ao som de um rangido discreto. Vão saindo como pássaros recém libertos da gaiola os números em grande alvoroço. Em seguida o ponteiro vermelho dos segundos salta como se houvera sido encurvado por uma força externa e lançado para longe, seguido pelos dois ponteiros pretos em ordem de tamanho, cada um por sua vez.
Começa a festa. Os números brincam de ciranda, cantando alegre e ritmadamente suspensos no ar. Os ponteiros divertem-se num esconde-esconde e a chave dança brincalhona até sair saltando em malucas cambalhotas. Onde antes os números jaziam inertes no seu pano de fundo monótono e sem graça projetam-se imagens coloridas de lugares nunca vistos numa tela circular pirotécnica, com suas cores e luzes piscantes.
Para nós que vivemos do lado de cá, o lampejo da eternidade acontece dentro do tempo e aos poucos caio de para-quedas num lugar bem conhecido. Neste exato momento cessam as danças e os folguedos. Automaticamente todos os moradores recolhem-se aos seus respectivos aposentos dentro do velho relógio de parede, pois percebem a minha aproximação como alguém que está preso no cadeado dourado do tempo.
É hora de cumprir mais um compromisso.
Roselena Landenberger
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