Quando o seu Deus tornou-se o meu Deus, Ele despiu a toga pesada e escura da lei e vestiu-se com o manto translúcido da graça.
Abandonou o antigo refrão, o cantochão, o hino austero e entoou escalas proibidas em ritmos não sacramentados. Deixou o som majestoso dos órgãos com seus tubos ecoando poder nas abóbodas das catedrais e misturou-se com o povo nas praças e salões, no forró e no arrasta-pé, entre sanfonas, triângulos e zabumbas. Colocou de lado a pedaleira em semicírculo na penumbra da luz pálida do sol tentando adentrar os vitrais e ensaiou uns passos de samba no burburinho das ruas acotovelando-se entre afro-descendentes.
Quando o seu Deus tornou-se o meu Deus, Ele reconciliou o sacro e o profano, o cristão e o mundano, os coros eruditos e as violas caipiras, as orquestras sinfônicas e as big bands, os corais de Bach e as rodas de samba, os negro spirituals e a bossa nova, os hinos e os rocks, os santos e os pecadores.
Vestiu-se de singeleza, falou a língua do povo, varreu as ruas, subiu o morro, tocou pandeiro e cuíca, cantou, bateu palmas e dançou na roda. Acolheu os velhos, ouviu histórias, pulou amarelinha, jogou futebol, sorriu e chorou.
Não quero o Deus de outrora, que habita os templos distantes e frios, que tem a mão pesada e o olhar carrancudo. Quero o Deus de agora, que é Rei disfarçado, cuja mão abraça e afaga, que é Criador de todo tipo de arte e aceita toda forma de louvor, um Deus alegre e brincalhão, o Deus da graça escandalosa.
Roselena Landenberger
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